Como
começar um texto que perpassa pelo corpo? Esta foi a inquietação que hoje me
afligiu ao tentar iniciar este texto, que perpassa pelo corpo não de maneira
genérica, mas, contrariamente, de maneira específica, sendo esse corpo, um
corpo negro, corpo feminino.
Nesta
data, 12 de setembro de 2013, defendeu, no LAB 1 da faculdade de Educação, a monografia intitulada “A articulação do atendimento educacional
especializado com a educação infantil: um estudo de caso” a, até então
estudante, Eunice Uzeda, minha esposa.
Na banca, três professoras: uma doutora, uma
doutoranda e uma mestra. Como resultado, após toda a reflexão que o trabalho
exige, um dez. Um dez que demorou para fazer a “ficha cair”. Dez, o grau máximo
para uma sociedade meritocrática, que valoriza as pessoas com base nos méritos
pessoais, mesmo tendo elas oportunidades diferentes.
Pois bem,
vamos em frente. Não sei para ela, mas, para mim, esse dez é representativo.
Essa nota-conceito (excelente) tem muito a dizer sobre uma mulher negra, pobre,
periférica, a qual traz, querendo ou não_e sei, ela quer_uma carga histórica de
todo um grupo ético-racial excluído dos postos de poder, dos lugares de
destaque na sociedade, dos bancos da ciência, da Academia, enfim.
Presenciar
isso pra mim, também homem negro e periférico, que compreende que o lugar da
mulher é outro, e que o lugar da mulher negra não tem igual, teve reflexos mil,
efeitos vários.
Me fez
viajar no tempo, tempo aquele em que eu era membro de uma biblioteca
comunitária na invasão do Moscou, no bairro de Castelo Branco e lembrar das
palavras de Maísa Flores, de que, nós negros, temos outras histórias para serem
mostradas, para serem contadas, para além das cenas de violências expostas em
“programas de humor” como se liga bocão, na mira (sic) etc.
Presenciar
essa cena reacendeu em mim uma revolta positiva, canalizada, no sentido de que
é nesse lugar que devemos estar, que podemos estar, que podemos!, como diria
Obama, presidente esse que, apesar dos equívocos, exerce influência positiva
sobre as mentes de crianças e adultos ao redor do mundo. Influência essa tão
necessária para elevar a autoestima da população negra, principalmente, num
país como Brasil que, como bem mostrou Ana Célia da Silva em seu livro “A Discriminação do Negro no Livro
Didático” anda bastante abalada, desde a infância.
Foi então
que me peguei ouvindo o Ilê, ouvindo suas músicas “População magoada”, “A
esperança de um povo”, “Canto sideral”, “Tentação negra”, entre outras e
refletindo sobre a importância desse bloco afro, bem como a do Olodum, entre
outros, justamente, nesse sentido de nos colocar para cima numa sociedade que
insiste no contrário.
Certamente,
esse dez não é apenas de Eunice Uzeda, pedagoga, formada pela UFBA. É de Zumbi,
Lucas Dantas de Amorim Torres, Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, Manoel
Faustino Santos Lira e João de Deus do Nascimento. É de Malcom X, de Rosa
Parks, de Steve Biko, de Joseanne Guedes, De Madalena e Lourdes, mães
guerreiras, de Maísa Flores, de Cristina e Cristiane, de Kris Aurora, de
Franci Sousa, de Hilton Sá e família, de Valdeluce Nascimento, de Uilians
Souza, de Jocevaldo Santiago, de Lélia Gonzáles, de Lívia Natália, de Dyane
Brito, de Florentina da Silva, de Denisson Palumbo, dos Panteras. Esse dez é da
invasão do Moscou; da Avenida Peixe; de Saramandaia; da Plataforma,
de Alexandre Alves e de tant@s outr@s.
Esse dez
é das escolas públicas fechadas a cada ano, das escolas sem aula por dias
afins, de todos os terreiros, dos ônibus lotados de domésticas e garis,
profissões simbólicas!; é das pessoas pobres à espera de atendimento nos
hospitais públicos e postos, onde, quando muitos médicos não “descobrem” o que
não temos, não nos tocam nem nos olham nos olhos. Esse dez, como visto, é um
dez coletivo, como tanto outros omitidos por parte de uma estrutura racista
como a universidade pública.
Asè!